A 12 de Maio o filme estreia nos cinemas, e nomeadamente
no cinema Ideal, em Lisboa.
O documentário de Margarida Cardoso retrata a curta vida
de Sita Valles, carismática dirigente estudantil, que morreu em Angola em 1977
em circunstâncias misteriosas, não tendo nunca o seu corpo sido encontrado, nem
o do seu marido José Van-Dunem, e o do seu irmão Ademar Valles.
Uma produção Midas Filmes, com o apoio financeiro RTP -
Rádio e Televisão de Portugal e do ICA - Instituto do Cinema e do Audiovisual
(Apoio à Finalização)
SINOPSE
Sita Valles viveu 26 anos. Nasceu em Angola em 1951 e ali
morreu em circunstâncias misteriosas em 1977.
Estudou Medicina em Lisboa, e foi uma dirigente estudantil carismática e militante do PCP. No Verão de 1975 decide voltar a Angola, que considerava o seu país, ligando-se a um grupo de pessoas - mais tarde apelidados de fraccionistas - que questionavam a linha ideológica do MPLA. Acusada de ser uma das cabecilhas da tentativa de golpe de estado de 27 Maio de 77, Sita é perseguida e presa. Rumores indiciam que foi torturada e morreu frente a um pelotão de fuzilamento. Nos dois anos que se seguiram mais de trinta mil pessoas tiveram o mesmo fim, ou passaram anos em cadeias e campos de concentração. Testemunhos dos sobreviventes, guiam-nos na possível reconstituição da vida e do tempo de Sita Valles, vida que terminou num episódio traumático, de uma violência absurda, e há muito silenciado
NOTA DE INTENÇÕES
A história da curta vida de Sita Valles surgiu-me quando
fazia a pesquisa para as personagens do meu filme de ficção YVONE KANE.
Procurava compreender o que poderia mover uma jovem da geração de 60/70 a
dedicar-se de forma tão empenhada e crente na luta política.
Sita Valles nasceu em Angola em 51, descendente de uma
família Goesa. Foi uma menina privilegiada numa sociedade colonial, mas despertou
para a política e veio para Lisboa onde lutou contra o regime fascista e pela
libertação das colónias. Foi militante do Partido Comunista Português e uma
figura extremamente carismática e influente nos meios estudantis. Depois
da revolução de Abril de 74, e de certa forma desiludida com o fracasso do PCP
nas 1º eleições livres em Portugal, Sita volta ao seu “novo país” no Verão de
1975. Na Angola “livre e independente”, ela quer levar para a frente a
Revolução Socialista que encaminhará o seu país para o “socialismo real”.
Liga-se a um grupo de pessoas - mais tarde apelidados de
fraccionistas - que questionavam a linha ideológica do MPLA (Movimento Popular
de Libertação de Angola), que consideravam demasiado “à direita”, corrupta e em
negação dos seus princípios originais na defesa do povo e da revolução.
Mas Angola é nessa altura o centro da Guerra Fria e Sita
vê-se envolvida, engolida, e finalmente eliminada, pela mecânica da História,
violenta e imparável. Acusada de ser a ideóloga da tentativa de insurreição em
27 de Maio de 1977, Sita acabou os seus dias frente a um pelotão de
fuzilamento. Tinha 26 anos e um filho de 3 meses. O seu corpo, o do seu marido
José Van-Dunem, e o do seu irmão Ademar Valles, nunca foram encontrados.
Nos dois anos subsequentes aos acontecimentos de 27 de
Maio, uma onda de violência sem limites recaiu indiscriminadamente sobre
milhares de pessoas. Não são só os declarados fraccionistas e “nitistas” que
são presos e mortos, mas todos os dissidentes da linha ideológica do grupo
dominante dentro do MPLA. Estima-se que cerca de 30.000 pessoas tenham sido
assassinadas ao longo de dois anos. E nunca se conseguiu perceber por que razão
um dia a purga terminou...
Estes acontecimentos foram, durante mais de 40 anos,
silenciados. O terror desses anos de purga, traumatizou para sempre a sociedade
angolana e calou testemunhas . Muitas histórias ficaram por contar. Uma delas
foi a de Sita Valles.
Voluntariosa e destemida terá sido Sita um caso exemplar
da filha da Revolução devorada pela própria Revolução? Aparentemente sim, mas
existem tantos mistérios no seu percurso de vida, sobretudo relacionados com os
últimos dois anos da sua vida, que a pesquisa sobre se revelou uma tarefa
extremamente longa, árdua e emocionalmente difícil.
Quanto mais conhecia o seu lado mais pessoal, mais tinha
a certeza que Sita representa hoje, de forma exemplar, muitos dos sonhos,
lutas, ilusões e desilusões de toda uma geração.
Sita Valles é hoje uma espécie de “fantasma incómodo” de
uma geração que passou por períodos de grandes mudanças, que se empenhou e
lutou por ideais que foram de alguma forma traídos ou esquecidos. O que
pensar daquilo que “sonhámos”? O que resta dos nossos ideais no mundo que
construímos? O que resta da Sita Valles em nós?
Durante quase 10 anos fui juntando material, filmes de
arquivo, fotografias, documentos privados e oficiais. Filmei em Portugal e em
Angola várias situações e imagens dos locais relacionados com a histórias de
Sita. Fiz cerca de quinze entrevistas a pessoas que compartilharam com ela o
percurso de vida. Mas só nestes últimos dois anos (entre 2019 e 2021) senti que
começou a haver uma certa abertura para se falar dos fantasmas do 27 de Maio. E
só nessa altura refiz uma série de entrevistas, a testemunhas que agora se
sentiam seguras para falar, e consegui construir o filme.
O filme centra-se sobre a figura da Sita, não é um filme
sobre os acontecimentos do 27 de Maio, que só por si merecem um outro filme.
Ficam muitas questões em aberto, muitas coisas por contar, muitas questões por
responder, mas penso que um filme nunca pode contar tudo, e espero que pelo
menos este trabalho tenha o mérito de nos despertar a curiosidade e a
necessidade de falar sobre este tempos silenciados.
Ao revelar os traços que Sita deixou aqui neste mundo, as
suas cartas, as suas imagens, os sinais, as pessoas que cruzou e as
transformações dos lugares por que passou, queria que este filme fosse uma
reflexão profunda sobre o tempo e a vida de Sita Valles. Um tempo de violentas
mudanças históricas e identitárias que marcaram uma geração, deixando muitos
numa longa tentativa de procura de justiça e superação de um trauma.
Margarida Cardoso